CARLOS ROSA MOREIRA
Membro do Cenáculo Fluminense de História e Letras, da Academia Niteroiense de Letras e da Associação Niteroiense de Escritores. Tem oito livros publicados, todos de crônicas e contos.
Por: CARLOS ROSA MOREIRA
21/08/2024
16:57:37
AQUELA TARDE
Era um alegre final de tarde de verão naquela rua calma...
...O sol desaparecia por trás dos morros, mas ainda havia claridade no céu. Muita gente botava cadeira na calçada para conversar e ver o movimento. Naquela hora os homens chegavam do trabalho.
Alguns desabotoavam a camisa ou o macacão e ficavam na calçada de conversa; outros iam direto para casa tomar banho e jantar. Crianças brincavam e às vezes debandavam para atender aos chamados das mães. No meio da alegria Carmélia abriu o portãozinho do quintal e saiu para a rua empurrando a bicicleta junto com Ceará. Os dois riam muito e Ceará segurou a bicicleta para Carmélia sentar e se ajeitar sobre o quadro. Aquilo chamou a atenção da vizinhança.
Naquele tempo, não se usava moça de família receber homem em casa nem sentar em quadro de bicicleta, o normal era ir na garupa, sentada de lado com os joelhos juntinhos. Todos conheciam Carmélia, que nunca teve namorado e já não era tão moça assim, embora fosse de família. Fazia tempo que ela e Ceará conversavam, ela no quintal, por cima do muro, e ele em pé na calçada, apoiado à bicicleta. Pela primeira vez viam os dois juntos.
Carmélia morava só e vivia dentro de casa. Saía todos os dias, mas era para ir à mina buscar água e isso nem podia contar como sair, pois a mina ficava bem ao lado da casa dela. Ceará era simpático, cumprimentava as pessoas e batia uma bola com os meninos.
O sobrinho de Carmélia dizia que ninguém derrubava manga a pedrada tão bem quanto Ceará. Todo mundo já o conhecia, Tinha garoto que falava: "Olha o Ceará de Carmélia!",
Carmélia não se sentou direito no quadro e a bicicleta quase caiu. Os dois riam que se acabavam. A vizinhança olhava, espantada com tanta liberdade, só as crianças não ligavam e também riam da falta de jeito de Carmélia. Ceará segurou a bicicleta com firmeza e ela se acomodou. Ele deu impulso, sentou-se no selim e partiram, sorrindo, pela calçada. Foram até o fim da rua por uma calçada e voltaram pela outra. Carmélia ria que fazia gosto ver, mas aquilo não tinha cabimento, moça andar em quadro de bicicleta de homem. E Carmélia estava de saia, as pernas brancas à mostra, o batom muito vermelho. Subiram a rua e desceram, desceram e subiram. As mulheres olhavam com reprovação e comentavam, os homens também olhavam, sorriam, sussurravam uns com os outros. Ceará pedalava fechando os joelhos, roçando as coxas no lombo de Carmélia. Numa das idas e vindas, Ceará fez a volta onde os garotos jogavam bola. Na hora ele quase perdeu o equilíbrio, teve que botar o pé no chão para apoiar a bicicleta. Os dois riram muito e ele pegou o rosto dela e deu um beijinho nos lábios. Os garotos até soltaram um alegre "Eeeee... em uníssono. A pele clara do rosto feliz de Carmélia ficou da cor do batom. Em Ceará não deu para perceber, pois era moreno fechado, mas os dentes grandes e muito brancos sobressaíram na noite que descia.
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