Por: CARLOS ROSA MOREIRA
19/05/2024
07:35:06
AH, BAUDELAIRE...
E dizem
isso sem agressividade, docemente. São olhos poderosos e doces, isso é que são.
Ainda por cima, ocultam uma fragilidadezinha, uma luz que parece pedir
proteção. Ah, Baudelaire... Dá uma vontade de pegar!
Acho que já não são muitas as Carmens Lúcia. Estavam em moda nos anos 50 e 60, mas depois se extinguiram. Acredito que todas as Carmens Lúcia têm mais de 40 anos. Essa, a dos olhos, tem quarenta e pouquinhos. Mas que exuberância... Está no auge! Se botar photoshop estraga, tiraria toda a expressão, tudo o que aprendeu em sua vida de mulher, o que a faz mais bonita. Naquelas bem traçadas e quase imperceptíveis linhas desenhadas pelo tempo, veem-se as dores, os prazeres, as tristezas e as alegrias, todas as vibrações que perpassaram sua alma feminina e construíram uma beleza personalíssima.
Mas não é qualquer um, meu amigo, que vê e sente a poesia. É preciso ser generoso, ter a alma livre e o coração aberto, é preciso ser um pouco poeta. A poesia da qual você fala, esse láudano que pega a gente e conduz ao êxtase, essa poesia que está nas coisas e é poesia sem poema, não é para todos. Só uns felizardos a reconhecem. Meus olhos vertem lágrimas, meu caro Charles, quando percebo a poesia. E a percebo tanto! Mesmo os insensíveis percebem a poesia, embora não saibam disso. E quando sabem não consideram sua própria sensibilidade, repudiam-na.
A poesia está em tantos lugares, coisas, situações... Na chegada de cada estação do ano, numa pintura, num drible com a bola, no sopro carinhoso do vento sobre o mar, nas curvas aéreas e cimentadas do Niemeyer, em algo encantador que nos faz parar a correria em pleno centro da cidade só para contemplar, e sonhar. Existe tanta coisa, não Baudelaire? Você, então, sabe tudo! Só não sabe dos olhos de Carmen Lúcia... E eles virariam sua cabeça e o deixariam bobo e arrebatado como o sujeito cheio de vinho e virtude. Hoje eu desejei viajar delirante nos olhos de Carmen Lúcia. Mas ela teve de ir embora. Então procurei um boteco e tentei me embriagar, mas não deu, eu já estava embriagado. Foi a poesia...
Do livro “A montanha, o mar, a cidade” - Ed. Novas Ideias, 2010.