Por: CARLOS ROSA MOREIRA
23/08/2024
11:13:48
ADALGISA
... No inverno Adalgisa era branca, não com essa brancura das brancas; melhor dizendo, era clara, clara... clareza de um tom raro do nácar, clareza amorenada, lisa, homogênea, sem mácula. Mas no verão... No verão Adalgisa era Adalgisa; aquela cor... não era do jambo, tampouco do sapoti, era de Adalgisa! Um monumento. Não “um monumento” com esse jeito banal com o qual os homens classificam uma mulher bonita. Olhar Adalgisa tinha mais fascínio do que ver pela primeira vez o sorriso da Mona Lisa; mais deslumbre do que contemplar Afrodite a banhar-se no azul do Egeu. Uma noite olhei Adalgisa sob as estrelas. Ela se banhava naquela casa sobre as pedras junto ao mar, naquele banheiro sem telhado. Lá em cima, nas estrelas, pairava o caçador Órion, que havia interrompido sua eterna trajetória celeste para apreciar Adalgisa. Naquela noite eu disse a ela:
‒ Gostaria de vê-la com um colar de pérolas...
Depois me
sentei nas pedras para admirar a lua cheia subir por trás da ilha. Lua imensa a
envolver a ilha, clarear o céu e fazer do mar espelho. Eu contemplava a lua e
pensava velhas coisas quando Adalgisa surgiu, saída do banho. Surgiu de colar
de pérolas, só de colar de pérolas, a caminhar nas pontas dos pés sobre a pedra
lisa. E a lua passou tão somente a iluminar Adalgisa, e eu pensei: de que
serviriam a lua e o mar sem Adalgisa? E disse isso a ela e ela me sorriu.
Depois mantive a janela do quarto aberta para que a luz da lua e o brilho do
mar envolvessem nossos corpos. E foi tudo o que restou de Adalgisa, pois um dia
ela foi embora feito aquela da música do Milton, fazendo noite em meu viver,
deixando para mim a lembrança da luz da lua sobre o mar e a visão de Órion
perdido, a procurá-la lá do céu.