Por: CARLOS ROSA MOREIRA
05/09/2024
18:03:54
A ESCAPADA
Em torno, a matinha orvalhada abraçava a casa, dava para
enxergar o verde na noite clara.
Empoleiradas nos galhos contorcidos da goiabeira, as
galinhas dormiam; dentro do cercadinho de pau seco e avelós, encolhiam-se as
novilhas; sob o alpendre, o casal de jegues dormitava. E, vez ou outra,
ouvia-se o débil tilintar do sininho amarrado ao pescoço da cabra.
Ele viu Maria passar por uma janela segurando a lamparina
acesa. No outro quarto, sem luz, os meninos já deviam estar dormindo. Sentiu o
cheiro da comida nas panelas ainda quentes e o calor emanado da lenha em brasa
no fogão. Zé fechou os olhos e respirou fundo. Inalou o aroma da terra serenada
que veio manso, penetrando pelas narinas dilatadas de prazer. E também veio o
perfume doméstico do pêlo dos animais, da cama, das roupas de Maria e dos seus
cabelos compridos cheirando a lenha queimada. Zé apoiou as mãos na pedra, e com
os olhos fechados sorvia aquilo tudo com tanta força que parecia desejar
retirar da terra a força para si, para ir adiante, continuar...
—Zé! O elevador social tá preso no oitavo. Vê se solta!
Uma lufada de ar quente misturado à poeira tapou suas
narinas; o sol feriu seus olhos com um brilho abrasador, carregou a noite e os
perfumes, mostrou a terra seca, sem verde e sem animais como ele a havia
deixado. Por último, a visão da casa fechada se desvaneceu na aridez solitária
daquele deserto.
- Já vou, doutor!