Por: CARLOS ROSA MOREIRA
17/11/2024
08:01:58
ALGUMA COISA ACONTECE
Talvez, em noites escuras, sem as luzes e o bulício da gente, você saia a caminhar por essas ruas como se ainda fossem de terra. Pois sei que vive no seu tempo com o mesmo sorriso de menina, os olhos plenos de esperança e os cabelos soltos perfumados pela maresia, como nos dias em que ouvíamos canções no gravadorzinho a pilha. Bob Dylan também falava do vento lembra? E cantava a balada de um certo homem magro. As músicas de Dylan vinham logo após I talk to the wind e era curioso ouvir o contraste da voz rascante do cantor americano com a fluidez macia da conversa com o vento.
Você escolheu
continuar a viver no seu tempo, e fez muito bem. Hoje começo a perceber que,
talvez, seja o melhor a fazer. Alguma coisa acontece, meu coração sente.
Acontece na música, nas ruas, na língua, no aprendizado, no jeito e nas cabeças
das pessoas. Não sei exatamente do que se trata, mas não sou o Mr. Jones de Dylan, até porque tenho uma
parcela de sangue mineiro, coisa que me faz naturalmente desconfiado. Nem você
nem eu poderemos fazer nada. Está certo o bom, sábio e velho professor, quando
diz ser “um homem do passado, encalhado no passado”. Ser um homem do passado
pode se tornar o meio mais lúcido de viver no futuro.
Nos tristes
anos da ocupação alemã na França, Charles Trenet compôs sua mais doce canção, e
ajudou a manter no coração dos franceses a memória e as coisas do seu país.
Trenet sabia que só se conquista um país quando se destrói sua cultura.
Não me aflijo em saber que aos poucos me desmonto. Mas é triste não enxergar ninguém nessa futura planície: parece-me árida e vazia. Talvez só reste mesmo encalhar-me no tempo, ouvir nossas músicas e me lembrar de você.