Por: CARLOS ROSA MOREIRA
30/06/2024
07:18:17
DOMINGO LINDO
...Estou num boteco sur
mer. Acima de mim o céu azul, e em torno o mar pacífico sobre o qual um
vento suave coopera com a regata classe Oceano a enfeitar as águas. A vista é
de uma beleza sem par nessas matas: a Fortaleza de Santa Cruz resplende ao Sol
vespertino, que deixa o Pão de Açúcar "logo ali" e as ilhas quase ao
alcance das mãos. Tomei algumas doses e minhas janelas estão abertas, meu espírito
flana tranquilo feito esta tarde de delicadezas. Além da minha, só mais uma
mesa ocupada, onde duas mulheres formam um casal: se abraçam, se beijam,
parecem se amar neste momento manso. Para um carro. Saltam o pai, a mãe, a
filha adolescente e o filho criança. Com miríades de mesas vazias, eles
escolhem a do meu lado.
- Não gosto de
lugar com mato! - reclama a adolescente.
Não há mato algum,
só umas amendoeiras, as sibipirunas e uns tufos de capim-colonião na encosta
que desce para o mar. O pai poderia ter ficado quieto, mas lasca:
- Isto aqui tem muita natureza. Tudo isto é natural!
Não é não. É aterro
feito no governo Moreira Franco. É tudo artificial! Procuro não me importar,
aprecio a manobra bonita de uma veleiro. Aí o garoto resolveu se equilibrar na
mureta da encosta. Ninguém diz nada, mas sei que aquilo não vai dar certo. De
repente, o pezinho do moleque resvala e ele se estatela. Abre o berreiro no
domingo lindo.
- Meu Deus! Tá
sangrando no joelho! - exclama a mãe.
- Joga um pouco
desta água mineral - socorre o pai, passando a garrafa à mãe. Sinto-me parte
daquilo e aconselho:
- Passa um sabãozinho no joelho da criança...
Eles agradecem e a
mãe vai pedir sabão ao rapaz do bar. Olho para a baía e quase ouço o vento nos
estais dos veleiros. O garoto se acalma. A mãe saca um tablet e mexe naquilo
com o filho; o pai mostra à filha um joguinho no celular. Ninguém conversa,
estão quietos e entretidos com suas telas, de costas para o mar. Percebo que o
vento vem de leste, lá onde nascerá a Lua de Niterói, e hoje será crescente, eu
sei. A maré dá sinais de que mudará dentro em pouco. Uma arraia-chita dá um,
dois, três saltos, fragatas pairam sobre a Boa Viagem. As duas mulheres
deixaram o bar e agora caminham de mãos dadas lá embaixo na calçada; talvez não
saibam que por onde andam um dia foi mar. O rapaz do boteco está debruçado
sobre o balcão, se ninguém o chamar ele vai dormir. Compenetrados, os membros
da família apertam suas teclas. Meus olhos vagueiam, felizes, sossegados, com a
certeza de que quase nada sabem, e assim está bom.