Por: CARLOS ROSA MOREIRA
22/09/2024
07:12:16
O CASAL
—
O que vai querer? - ela perguntou ao rapaz.
Ele
olhava o cardápio.
-
Tem aqui uma picanha compreta...
-
Pode pedir.
O
rapaz pediu o prato e a cerveja.
—
Essa semana eu termino o embouço da parede - disse ele.
Ela
concordou levemente com a cabeça e seu olhar percorreu as outras mesas,
enquanto ele fazia observações sobre a massa a ser usada para o emboço. O
garçom trouxe a cerveja. O rapaz se serviu e a serviu; antes que ela experimentasse,
ele deu duas boas goladas. Então meus olhos se desviaram dela e passei a
observá-lo. Era um rapaz escuro meio claro, com cerca de quarenta anos.
Acho
que o Brasil é o único lugar no mundo onde o escuro pode ser claro. Vestia uma
calça de padrão ousado de uma das grifes mais caras da zona sul; a camisa era
francesa e calçava docksides.
O
garçom chegou com a comida e serviu os dois. Ele baixou a cabeça no prato,
garfo na mão direita e faca na esquerda. Os talheres passaram a funcionar em
grande atividade, um junto ao outro, a faca juntando a comida no garfo, que era
levado à boca continuamente, como os ferrões de uma incansável formiga que
precisa destroçar sua presa com rapidez. Ela dava garfadas lentas e longas.
-
Está bom? - ela perguntou.
Ele
levantou um pouco a cabeça e respondeu sem parar de mastigar: "Muito
bom"
Ele
não precisava daquela pressa, mas é provável que durante toda a sua vida tenha
tido somente um tempo para se abastecer de comida. E comer, estivesse onde estivesse,
era isso: abastecer-se.
Ela
terminou de almoçar o pouco que havia colocado no prato. Ele ainda continuou
naquele frenesi de mexer garfo e faca como ferrões. Depois ela acendeu um cigarro,
tragou e, vagamente, soltou a fumaça no ar. Ele palitava os dentes. Foi ele que
perguntou:
-
Vai querer que eu leve o carro amanhã pra revisão?
Aquilo
é mole de fazer. Concessionária cobra uma grana.
Ela
comentou alguma coisa sobre a garantia com a primeira revisão. Permaneceu em
silêncio por alguns segundos, soltou duas baforadas e falou sem olhar para ele:
-
Meu marido gostava de vir aqui aos sábados, antes do almoço. Trazia nosso
cachorrinho, o cachimbo e o jornal. Tomava uma cerveja, sempre ali, naquela
mesa.
Ele
se virou para ver a mesa.
-
Nós morávamos nesta rua, na esquina com a praia.
-
Morava mal não, hein!
-
É... faz muito tempo... Quer mais alguma coisa?
Vou
pedir a conta.
-
Pode pedir.
O
garçom trouxe a conta.
—
Você leva o carro? - ela perguntou já entregando a chave a ele. E saíram do
restaurante de mãos dadas.