
Por: CARLOS ROSA MOREIRA
25/06/2023
08:05:37
BAS-FOND

É uma
gente feia. Caras de todas as cores. É o povo. Nosso povo, nós. Gente a
esquecer a fadiga, a desesperança, as humilhações, os aborrecimentos, as
irresponsabilidades e os anseios frustrados da semana que passou. Tudo
arrematado na cerveja, nas gargalhadas, nas palavras grosseiras. Em cada falta
de vida existe muita vida. Coisas miseráveis traduzem intensos sentimentos
humanos. No canto de uma árvore, uma prostituta velha segura o vestido e urina.
Ouço o jato bater sobre a terra ao pé da árvore. Lembra a urina das vacas a
bater sobre o pasto. Quase sinto o cheiro do mijo daquela mulher.
Lá do
fundo do bar um rosto surpreendente me chama a atenção. É uma mulher bela, destoante. Está sentada com
um negro alto de careca luzidia. Ele veste um terno branco sem gravata e calça
sapatos sem meias. Ela está de camiseta regata preta. Sobre a mesa há várias
garrafas vazias de cerveja. Ela é muito clara, pálida, chega a brilhar naquele
ambiente de cores escuras. Seus cabelos negros compridos caem em mechas sobre
os ombros delicados. A expressão é de imenso fastio. Fuma. Solta a fumaça para
o lado, como um desabafo. Imagino que o tédio em seu belo rosto seja resultado
de drogas, mas pode ser só tédio. O negro ri e conversa com um branco magrelo
de aspecto asqueroso. Ela olha para lugar nenhum. Tem fascinantes olhos negros.
Então seu próprio rosto surge dos confins da memória. Lembra-me a heroína das
“Histórias contadas e outros poemas”, lidas lá atrás na infância. É o rosto de
Bess, por quem fui apaixonado. A linda Bess de “negros olhos e tão negros
cabelos”, que preferiu matar-se para não ver prisioneiro seu amado salteador
das estradas. Imaginação faz cada coisa com a gente... A heroína era amor e
determinação; a mulher do bar é pura sordidez, mas é bela e esse verniz traz
algo extraordinário àquele lugar. Na calçada, duas negras magricelas bebem e
ensaiam grotescos passos de “funk”. Um mendigo se aproxima e assiste àquilo com
o olhar apalermado.
“A
parte sem o todo não é parte”. Não é coisa alguma, penso eu. São tantas as
vidas poucas que fazem aquele todo. O todo feio tem a beleza de ser
interessante. As partes são horrendas. A lembrança no doce romantismo da
infância somou-se à realidade e me desequilibrou. Deixei de fazer parte do
todo. Minha alma está prestes a partir daquele purgatório e despencar para a
escuridão da minha Idade Média particular. Assaltam-me a tristeza e a
desesperança de cada parte do todo. Tomo meu rumo. Caminho pelas calçadas ao
longo de fachadas melancólicas de mau gosto. Quero retornar às luzes, onde
beleza é verniz repousante. Onde frágeis escoras sustentam miserabilidades,
sejam de bolso, sejam de alma.
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