CARLOS ROSA MOREIRA
CARLOS ROSA MOREIRA
Membro do Cenáculo Fluminense de História e Letras, da Academia Niteroiense de Letras e da Associação Niteroiense de Escritores. Tem oito livros publicados, todos de crônicas e contos.

Por: CARLOS ROSA MOREIRA

29/07/2023

09:05:05

COMUNHÃO

Mergulhei nas minhas velhas águas, cristalinas como soem ser as águas no inverno. Ultrapassei as pedras expostas pela maré baixa e dei as primeiras braçadas quando meus pés já não tocavam o fundo.
COMUNHÃO
Refazia parte de um percurso que foi o meu exercício favorito durante a juventude. Nadava de Icaraí a Flechas, corria toda a praia, mergulhava nas Velhas e nadava até a Ilha da Boa Viagem; corria de novo e circundava a ilha nadando, escalando e caminhando. Depois fazia tudo igual na volta.

     Saí nadando ao lado do “Torreão” e fui até as “Duas Irmãs”, dali escalei e subi ao fortim, depois peguei a velha trilha que circunda a Boa Viagem. Minha intenção era continuar o exercício, dar mais umas braçadas e correr na praia, mas ouvi uns gorjeios e parei no meio da mata. Era uma cambaxirra. Fazia tempo que não ouvia uma cambaxirra; ou, talvez, há tempo não percebia  que já não ouvia cambaxirras. Abaixei-me, buscando o pequenino no meio das galhadas. Cambaxirras são mais fáceis de ouvir do que de ver, mas vi o bichinho a saltitar por entre os ramos de uma aroeira: saltita e gorjeia, gorjeia e saltita.

            Estava eu a ver e a ouvir cambaxirra, quando o tempo mudou. O céu cinzento já ameaçava, aí o vento rondou e deu uma varrida no mar. Caíram pingos grossos e espaçados, e logo a chuvada veio. Toró que lavou o sal do meu corpo e retirou da mata a poeira urbana. Quando cessou, deixou as folhas com um verde brilhante e o ar todo perfumado com aquele cheiro bom de terra. Depois da chuva e da ventania restou uma brisa suave vinda do sul. Um sabiá-laranjeira pousou num galho acima da minha cabeça, cantou como se fosse o último dia de sua vida e depois embarafustou-se por entre as ramas da aroeira onde gorjeava a cambaxirra. Atobás pairavam bem alto, um bem-te-vi clamava da terra e eu respirei fundo aquele ar a minha volta. Quieto, não queria que a natureza soubesse de mim. Bem ao lado contorcia-se uma pitangueira. Raquítica, parecia sofrida, batida incessantemente pelos ventos marinhos. Remanescente dos tempos em que por aqui reinavam tupinambás e maracajás. Esguia e silenciosa uma ingazeira observava. Muitas vezes provei a polpa adocicada dos seus frutos. Fico fascinado ao encontrar essas dádivas no meio da mata. Nossas árvores, nossos frutos que também fascinaram o peró e o mair que vieram de longe para brigar por essas praias.

            Estava eu naquele êxtase, a ver belezas e a ouvir melodias, percebendo sabores e sentindo perfumes. Então fui tomado por uma grande vontade de ficar ali. E pensei que talvez não fosse mau morrer assim, espojado sobre a terra. Morrer como um bicho qualquer que se vai deste mundo, tendo a companhia de uma bromélia, os olhares coloridos das orquídeas, acalentado pelos trinados dos pássaros e envolto pela brisa do mar. Só deitar e morrer, deixar o corpo na terra para rebrotar e, algum dia, de algum modo, ser de novo coisa viva. Talvez uma árvore que ofereça um perfume selvagem ou um singelo fruto sápido. Um modesto vegetal que, se nada tiver a oferecer, cubra o caminho com a simplicidade de uma sombra fresca em meio ao silêncio da mata. Esse silêncio sussurrado das plantas que às vezes embala estranhos sonhos.

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