
Por: CARLOS ROSA MOREIRA
06/03/2021
10:33:58
VÉSPER

...“Isso é coisa do vento sul”, pensei. Depois veio a primeira faísca, e trovão a estremecer o mundo. E clarão e outra pancada e raio de cobrir espelho e esconder tesoura. A chuvada desceu, amansou o vento e pareceu alegrar todas as árvores e todo o verde. Então percebi um jeito de nossa casa nessa tarde. As tempestades tantas que apreciamos juntos. A luz acesa da cozinha para compensar o escuro trazido pelas nuvens. O vespertino bolo inglês, bem-vindo e cheiroso para acompanhar o café preto enquanto olhávamos a chuva. E nada dizíamos, apenas apreciávamos a chuva. Nossa casa era a proteção, camarote seguro a manter-nos ao largo das procelas do mundo. As tempestades arrebatavam nossos olhos extasiados com sua violenta beleza. Mas um dia percebemos o silêncio da casa. E era um silêncio frio, um silêncio de ausências. Nossas ausências.
O vento amainou, mas cai a chuva. Fulgem
raios a vergastar céu e terra. Trovões se sucedem. Encostado à porta tomo café
e observo tudo isso. As casas e os edifícios refletem as súbitas descargas
elétricas. Mesmo feitas de cimento, tijolo e ferro parecem estremecer com o
ímpeto da natureza. São como navios em mares furiosos. E naquelas paredes por
onde as águas descem feito cascatas, vejo quadrados de luz que me lembram
camarotes.
A tempestade de hoje mostrou-se com
o vento sul. Ele a anunciou. Às vezes é o vento nas árvores, outras vezes a
movimentação das nuvens; não raro, um fragor distante. Elas são assim, as
tempestades. Deixam-se perceber, mesmo com sutilezas vagarosas. Mas, para
percebê-las, é preciso ser leitor do tempo e do vento. Leitor das coisas do
mundo.


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