
Por: CARLOS ROSA MOREIRA
11/01/2021
15:37:47
ON THE ROAD

...Havíamos
saído de Los Angeles, parado em Malibu e Solvang. Íamos devagar, curtindo
aquela que deve ser uma das mais belas estradas do mundo. Em Malibu, parei numa
loja de um casal de franceses idosos. Pareciam ser muito católicos.
Perguntaram-me como andava o catolicismo no Brasil. Disse-lhes que não ia mal,
mas ultimamente era ameaçado por agressivos huguenotes que lidavam melhor com
dinheiro do que qualquer banqueiro. Ficaram muito preocupados.
Caía
a noite. Entramos em San Luis Obispo para conhecer e pernoitar. No dia
seguinte, um domingo, fomos visitar a antiga igreja espanhola. Mas havia missa,
a igreja estava repleta. Um senhor percebeu que éramos estrangeiros,
cumprimentou-nos e convidou-nos a conhecer o lugar. Mostrou o pátio interno da
igreja, o jardim, os arcos, as plantas bem-cuidadas; lá no alto do campanário,
o sino original. Quase pedi que o fizesse bater. Seria como ouvir o tempo.
Imaginei indiozinhos e um velho padre espanhol com sua negra batina a contar
histórias da Virgem Maria. Senti-me um pouco nos claustros de Salvador, Recife
e na atmosfera hierática e trágica das Missões.
Então ele fez um sinal e o acompanhamos por entre as arcadas do pátio.
Mostrou-nos uma parede onde parte do estuque fora retirado. Via-se o esqueleto
rústico e original da construção com velhas traves de madeira. Apresentou-nos à
relíquia com orgulho e emoção. E foi com emoção que tive vontade de abraçar
aquele homem, que não era guia turístico, tampouco empregado da igreja, mas um
cidadão comum que foi gentil com os estrangeiros e abriu um pouco as portas de
sua cidade e de seu coração.
Partimos
de San Luis Obispo na segunda-feira. Chegamos a Gorda e estacionei o carro na
areia da praia. Pedi-lhe que ficasse ao lado da placa. Gostaria de fazer uma
foto com o nome do lugar. Distraída, ela ajeitou os cabelos, fez pose, mas
olhou a placa: “Ah, não!” e se afastou sorrindo.
Eu queria é beijar o Pacífico. Durante
toda a viagem ele esteve à minha esquerda: belo, exuberante, selvagem. Às vezes
longínquo, outras tão próximo quanto o mar de Angra nas curvas da Rio-Santos.
Atravessei a areia e provei de sua água e de seu sal. O Pacífico! Falaram-me
tanto dele... Stevenson, Conrad, London, Maugham... Beijei suas águas com
reverência.
Em breve entraremos no verde do Big Sur. Já avistamos as ondas furiosas contra a costa rochosa da Califórnia. Contarei a ela meus sonhos juvenis e falarei de Kerouac, embora ela seja muito jovem, de outra geração que nem ouviu falar dessas coisas. Aquela vastidão selvagem enche o coração de um anseio impaciente pelo desconhecido, de querer acelerar, perder-se pelas estradas do mundo veio sem porteira. É esse o “irrequieto e torturado desejo de viver” do qual falou Maugham.
