CARLOS ROSA MOREIRA
CARLOS ROSA MOREIRA
Membro do Cenáculo Fluminense de História e Letras, da Academia Niteroiense de Letras e da Associação Niteroiense de Escritores. Tem oito livros publicados, todos de crônicas e contos.

Por: CARLOS ROSA MOREIRA

24/03/2024

07:57:47

AROMAS

Eu havia acordado tarde no domingo. Enquanto fazia o café, começou um vento molhado que virou ventania e trouxe uma chuvarada na horizontal.
AROMAS
Corri para fechar a janela da sala e acabei ali, no meio do apartamento, apreciando aquela movimentação de água e verde. Subia um cheiro de terra, de mato molhado, de maresia. Cheiro bom de mar. Perfume das ilhas.

As folhagens do coqueiro da casa da frente brilhavam ainda mais verdes, iam e vinham, para cima e para baixo, parecendo agradecer à chuva.

Chovia todas as tardes dos verões nas ilhas. O mar ficava um espelho meio verde, meio cinza; paradinho, paradinho, liso, liso. Aí soprava a primeira rajada que encrespava tudo, dobrava o mato, levava as folhagens dos coqueiros. Era o vento que tirava do mar o perfume e o misturava à terra e ao mato das ilhas.

Eles vinham em todos os verões. Abriam as janelas azuis da casa, penduravam redes e à noite acendiam os lampiões.

Nós sempre chegávamos antes deles. Eu não sossegava. Todo dia ia olhar a casa. Será que já chegaram? Quando chegavam eu ia ajudar. Ela me sorria. Dois olhares, dois sorrisos. Cúmplices desde crianças. Lembro-me do cheiro da casa enquanto os pais dela abriam portas e janelas. Era o mesmo cheiro da minha: mistura de madeira, pó e maresia.

- Dá uma mão aí, Carlinhos.

E eu sorria, carregava coisas, ajudava. O mar nos acolhia
sempre. Água quentinha, clarinha. Aos catorze anos aprendi a caçar peixes. Tainhas, robalos, paratis. Eu levava tudo para ela, nadava para ela, me aventurava para ela. E ganhava sorrisos e olhares cúmplices.

Eu tinha quinze anos, ela também. Era noite. Noite estrelada depois de chuva. Órion estava sobre nossas cabeças; James Taylor vinha de longe. Foi quando nos beijamos pela primeira vez. Depois ficamos olhando o mar tão liso, com umas ondinhas compassadas fazendo clap, clap na areia. Namorávamos escondidos. Foi assim todo aquele verão. Nos beijávamos
tanto, nos abraçávamos, depois ficávamos coladinhos um no outro, eu sentindo a maresia nos cabelos dela.

No verão seguinte foram eles que chegaram primeiro. Da proa eu a vi deitada na areia. Ela me sorriu e eu olhei fascinado. Foi o melhor verão da minha vida. Tínhamos dezesseis. No silêncio das prainhas, Yes e Emerson, Lake and Palmer sussurravam no gravador a pilha. E nós nos beijávamos,
as bocas ávidas, as mãos incontroláveis. No fim daquele verão eu beijei seus seios, que ela me exibiu à luz da lua sobre as areias. Nos amamos pela primeira vez sentindo o cheiro do mar, de pedra salgada, de mata.

Teve um verão em que eu não fui, mas ela foi. Foi o verão dos dezessete. Eu não fui, mas sonhei. Sonhei com ela sobre a areia úmida com aquele perfume de mar.

No verão dos dezoito eu cheguei primeiro. Todos os dias olhava o mar. Havia guardado para ela tudo o que escrevera um ano antes pensando nela. Foi numa manhã que o barco chegou.

Esperei na praia. Ajudei a fixar o cabo da âncora na areia.
Ela estava lá, linda, cabelos ao vento. Os pais não estavam, mas havia amigas, e uns amigos. Ela me sorriu, sorriso de amiga. Os rapazes carregaram tudo, especialmente um, muito junto dela que tinha para ele olhares cúmplices.

À noite eu os vi na varanda conversando, fumando, ouvindo Chico,
Milton, Caetano. Vi a cabeça dela apoiada no ombro do rapaz. Vi a noite toda. Vi Órion rodar e o Cruzeiro desaparecer por trás das montanhas do continente; vi os lampiões dos pescadores ao largo. E vi a casa dela silenciosa e escura.

Assim foi o verão dos dezoito. Ela e seus amigos foram embora antes de mim. No dia ela me abraçou, me deu dois beijinhos, um em cada face, depois subiu a escadinha do barco. Já não tinha o perfume do mar nos cabelos, mas tinha um cheiro bom, um cheiro de mulher.

Estranho... Minha sala parece estar impregnada do cheiro das ilhas. O café está pronto, Nana responde ao tempo no CD, e no ar, esse perfume... Soube que está separada. Mora com o filho e com a mãe na cidadezinha
defronte da ilha.

Vejo o vento bulir com as folhagens do coqueiro. Sinto saudade daquele tempo nas ilhas, de banho de chuva quando se chega do mar. Chuva de verão que tira o sal, que refresca a pele.

Bebo meu café, mas o aroma das ilhas não sai deste apartamento do quinto andar.

— Um zero dois? Sim, é esse o nome. Ah, sim, obrigado,
anotei.

O telefone está em minhas mãos. Ensaio palavras; faço tom de voz. Tenho dúvida. Pra quê mexer nesse fundo? Mas vem o perfume... Começo a discar. Recordo uma tarde do verão dos dezesseis anos. Eu havia saído com ela numa canoa. Remara até uma enseada e apoitamos longe da praia. Nos amamos na canoa estreita, e eu me lembro de que tentava me fazer leve e proteger sua pele branca do sol. Depois abri a barraca de praia e ficamos quietos, abraçados à sombra, olhando o fundo do mar através da água cristalina. Lá no fundo havia uma estrela enorme, bojuda, amarela.

— Pega pra mim!

Mergulhei e trouxe a estrela-do-mar sobre um punhado de
areia.

— É linda! Vou botar na estante lá de casa.

Tempos depois ela me mostrou a estrela. Estava branca,
dura, um cadáver, só um cadáver sem cor.

— O lugar dela é no fundo do mar. É lá que devemos
admirá-la.

O telefone está chamando. Nana canta: "Porque sabe
passar e eu não sei..."

Três toques e penso na estrela. É melhor deixar lá no
fundo, há tantas cores no fundo... Digo para mim mesmo que o tempo está certo.
E ponho o fone no gancho.

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