Por: AYRTON DIAS

04/01/2023

08:55:50

AO MESTRE COM CARINHO

Um dedicado grupo de alunos mantêm viva a presença de um memorável mestre de artes marciais
AO MESTRE COM CARINHO
Tokio Mao - um dos pioneiros na difusão das artes marciais em Niterói - ministrou aulas até o fim dos seus dias. Falecido em decorrência de causas naturais em 2018, aos 94 anos, ele atuou por 53 anos fazendo da sua arte uma verdadeira religião, deixando um significativo legado. Seus discípulos mais próximos, que incorporaram grandes ensinamentos às suas vidas, decidiram dar sequência a bonita história que foi iniciada em 1965. No detalhe: reunião histórica que marcou a criação da Instituto Tokio Mao de Artes Marciais. - Foto: Acervo pessoal Robson Pitta.

“Fez de mim um bom homem, bom cidadão. Faz parte da minha formação, solidificou meu caráter com determinação, coragem, força. Deu-me conhecimento, deu-me amigos, mostrou-me um caminho. É meu companheiro. Jamais sinto-me só tendo os meus conhecimentos de Karate.” É desta maneira que, aos 67 anos, o niteroiense Carlos José Rosa Moreira, um médico veterinário e também advogado aposentado, expressa a importância do seu grande mestre.   Carlos Rosa também faz questão de destacar a oportunidade única de ter convivido com “um mestre japonês em toda sua excelência” que, além do legado da formação física e espiritual, que inclui a cultura e o conhecimento lhe ensinou, através de um tradicional ensino oriental, que as artes marciais não são isoladas, mas fazem parte das disciplinas de um todo educacional que incluem "a força no caráter, a coragem física guiada por forte determinação do espírito, o culto à inteligência, a busca da sabedoria, do conhecimento e da humanidade, além do fortalecimento do corpo, a resistência à dor, o foco na defesa pessoal com o mais pleno culto às tradições guerreiras japonesas". Ele é um dos alunos mais antigos e um dos principais responsáveis pela preservação de toda a tradição da academia, seja no âmbito imaterial como também material, atuando na preservação de todo acervo como equipamentos de treino, os símbolos que traduzem o estilo de karate Jinen Ryu, material iconográfico, documentos e mobiliário. 

Carlos Rosa

“Fazer parte da família e ser, eternamente, um 'Kokoro no tomo', um membro de um grupo formado pelo ‘O Sensei’ numa reunião em um ano distante” tornou-se uma questão de honra para Carlos. Ele, que pretende manter permanente e forte todo ensinamento de décadas, que conquistou gerações de alunos, encara como uma importante missão em sua vida a manutenção desse importante legado. Carlos faz questão de deixar a seguinte mensagem: “Prepara-te, faça forte tua mente e teu corpo. Treine sempre, todos os dias. Seja humano, busque a sabedoria, tenha coragem.”

Manoel Varela (62 anos), professor de karate, também é um dos alunos mais antigos e outro integrante do grupo que faz questão de manter viva uma pujante história. Muito ligado a família de Tokio Mao, Manoel desde muito jovem desfrutou dos ensinamentos do grande mestre. Sua mãe, muita amiga da família do seu mestre, “sempre se atrasava para me pegar na saída do judô aí o professor sempre que ela atrasava fazia eu ficar de kimono até ela chegar, aí o mestre perguntou se eu queria treinar... mas eu acho até hoje que tinha uma combinação deles nesses atrasos.” 

Foi dessa forma que Manoel passou a treinar karate e se dedicar de forma integral a modalidade ao ponto de, segundo ele, no dia mais triste da sua vida, ouvir a seguinte declaração da sua ex-esposa: "eu perdi você para o karate, tô indo embora". Na época eles tinham 25 anos de casados. 

Manoel, idealizador da criação do  Instituto Tokio Mao de Artes Marciais, com uma profunda vivência no ambiente do karate, declara que jamais viu uma ligação tão forte entre alunos e professor "é muita paixão junta, pra não dizer AMOR!" 

Assim como Carlos Rosa, também dedica-se ao compromisso de continuar difundindo o estilo Jinen Ryu no Brasil. Manoel é grato por todo conhecimento obtido com seu querido mestre e destaca que “Paciência…paciência…paciência e perseverança”, são palavras muito significativas para ele e fazem parte do seu aprendizado. "Elas norteiam minha vida." - afirma.


Manoel Varela

Carlos Eduardo Vizeu Pontes( 66 anos), nascido em Paraíba do Sul, no Estado do Rio de Janeiro, engenheiro, foi morar em Niterói para justamente prestar vestibular para o curso de engenharia na Universidade Federal Fluminense. Vizeu também assumiu a responsabilidade de manter o legado deixado por Tokio Mao.:

“Como já havia tido contanto com o karate na minha cidade natal, onde um faixa-preta baiano abrira uma academia do estilo Shotokan-ryu, aqui em Niterói eu procurei me informar se havia uma academia de karate em que eu pudesse dar continuidade aos treinos que iniciara.

Soube, então, da existência da academia do professor Tokio Mao através de um tio meu que aqui morava, e iniciei, na Associação Brasil-Japão de Artes Marciais, como faixa-banca, no ano de 1976.

Daquele ano de 1976 até o ano de 2018, quando do falecimento do professor Tokio Mao, foram 42 anos de convivência ininterrupta com o meu saudoso mestre, dentro e também fora do dojo.

O nosso sensei não era de falar muito dentro do dojo – ou quase mesmo não falava –, apenas orientava uma única vez e depois observava. Como ele dizia, com o seu inconfundível sotaque e dificuldade com o português gramático: “Karatê não é boca, não; karatê tem que sentir pele, né?”

Mas sua presença carismática e imponente impregnava o ambiente com a essência do Budo, o que era percebido e absorvido por todos que ali estavam.

Curioso que pela academia do professor Tokio Mao passaram mais de 1000 alunos, e todos eles declaram um ponto em comum – mesmo aqueles que por um motivo ou outro ficaram pouco tempo treinando –  que é o fato de terem tido sua personalidade influenciada pelo ambiente criado pela figura emblemática do nosso mestre.

O falecimento do professor Tokio Mao, como ele gostava de ser chamado, foi uma destas perdas irreparáveis para as artes marciais, tendo em conta a conexão forte que ele tinha com a essência do Budo e a conexão direta que ele teve com os grandes mestres que introduziram o karate no Japão.

Deixou no coração de cada um de nós o exemplo de sua determinação, perseverança, coragem e trabalho incansável.

Com o decorrer das décadas, o corpo foi perdendo evidentemente o fôlego e o vigor. Porém, o espírito de samurai permaneceu sempre o mesmo.

Dentre as várias estórias que coleciono do mestre há uma interessante, fresca ainda na memória, e que mostra a permanência do seu espírito.

No ano de 2014 o sensei recebeu da Federação de Karate do Estado do Rio de Janeiro – FKERJ, o título de 10° dan: o primeiro da modalidade concedido no Brasil. A cerimônia de entrega foi no Ginásio Poliesportivo Pedro Jahara, em Teresópolis, durante um torneio seletivo para o Campeonato Brasileiro.

Levei-o de carro, e como não sabia exatamente onde ficava o Ginásio, estacionei o veículo na Avenida Feliciano Sodré, local que acabou ficando um pouco longe do Ginásio, cerca de uns 400 a 500 metros mais ou menos. Caminhamos a pé até o ginásio. Após a cerimônia de entrega – que foi em torno do meio-dia –, como estava fazendo um calor muitíssimo forte eu sugeri que fôssemos embora, porque o torneio iria se alongar por toda a tarde, e ele já apresentava sinais de cansaço. Ele já estava com 90 anos de idade!

Caminhamos lentamente de volta até o carro sob o forte calor da tarde de domingo. Quando cheguei e entrei no carro o interior estava uma verdadeira fornalha porque o carro ficara estacionado no sol. Liguei o ar-condicionado e lhe disse: "Sensei, aguarde um momento até o carro esfriar um pouco."

Como ele vira que eu tinha entrado e estava sob o forte calor, ele ignorou minha sugestão, abriu também a porta e entrou. Disse, já sentado, no banco de trás: - “Samurai tem que aguentar, né?”. Desci cuidadosamente a serra em direção a Niterói, com a responsabilidade de estar conduzindo um herói de guerra, e expoente das artes marciais japonesas.

Arigato, sensei! Oss! “– Carlos Vizeu

Carlos Vizeu

 Aos 64 anos o empresário Robson Pitta Mary, teve sua história com Sensei Tokio Mao iniciada há 50 anos, quando estava no Ginásio onde as filhas do futuro mestre também estudavam. "Começou a se falar de karate entre os colegas, nessa mesma época, muitos filmes de Bruce Lee e outros estavam em evidência. Descobrimos que a academia do Sensei ficava perto do colégio, ao encontrá-la, fazíamos visitas para assistir as aulas, até que um dia me dirigi ao Sensei e perguntei como se inscrever na academia para participar dos treinos. Então ele me deu uma ficha de inscrição para levar para o meu pai assinar. Não deu outra, sem conhecimento, talvez, na época, ele se recusou na hora, rsrsrs,  disse que já tinha muito trabalho para resolver minhas brigas..."

Robson, que só pode treinar depois de adulto e tornou-se uma pessoa mais equilibrada, afirma que também se dedica a dar continuidade ao legado por acreditar nos ensinamentos deixados pelo saudoso mestre: "repassando o karate transmitido que é o da perfeição do caráter, através de árduo treinamento e rigorosa disciplina da mente e do corpo!"

Robson Pitta

Ele, na prática, dá intensa continuidade ao legado: "através da minha vida e dos meus filhos - discípulos do Sensei também,Jean Michel Mary e Yuri Klem Pitta Mary, estamos dando continuidade e repassando para outras gerações para que essa continuidade seja mantida e nós, discípulos do Sensei Tokio Mao,  possamos manter nossa união até o fim de nossas vidas. Não há prazer maior, nos treinos, encontros e reuniões!"

Robson e uma nova geração de discípulos: seus filhos Yuri e Jean Michel

Quem não está ambientado com o universo do karate, não tem conhecimento do compromisso tácito firmado entre o praticante e os preceitos que norteiam essa arte marcial. Frases como ”Nunca te orgulhe de vencer um adversário, o que vencestes hoje poderá derrotar-te amanhã, a única vitória que perdura é a que se conquista sobre a própria ignorância”, podem passar totalmente despercebidas. Na realidade, elas só passam a fazer sentido após anos de dedicação a um árduo treinamento a que são submetidos os caratecas sob a orientação de um verdadeiro mestre. Este, através de palavras e principalmente de ações, faz valer os lemas dessa milenar atividade esportiva. Esses lemas ensinam que: o esforço para formação do caráter; a fidelidade ao verdadeiro caminho da razão; a criação do intuito de esforço; a contenção do espírito de agressão e o respeitar acima de tudo, contribuem para a formação de um bom cidadão. 

Tokio Mao - um memorável educador

Quem pratica o verdadeiro karate assimila valores essenciais, principalmente aqueles que permitem o perfeito entendimento da relevância do papel de um profissional que cumpre a importante missão de transmitir o conhecimento. As reverências ao professor no início e ao final de cada sessão de treinamento, por exemplo, situam o praticante em um ambiente hierárquico em que a relação ensino/aprendizado é extremamente valorizada. O entendimento de quem ensina deve ser respeitado - pouco usual atualmente -  é intensamente transformador. Talvez seja a explicação para uma iniciativa tão nobre como a desses karatecas niteroienses, que se empenham em preservar o legado de um verdadeiro mestre!

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